segunda-feira, 27 de abril de 2009

AMAR!

Amar. Eu quero amar,
amar perdidamente!
Amar só por amar:
aqui... além...
Mais Este e Aquele,
o Outro e toda a gente...
Amar! Amar!
E não amar ninguém!

Recordar?
Esquecer?
Indiferente!...
Prender ou desprender?
É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira
é porque mente!

Há uma primavera
em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz,
foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó,
cinza e nada,
Que seja a minha noite
uma alvorada,
Que me saiba perder...
pra me encontrar...

FLORBELA ESPANCA

PARA SER GRANDE...

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

FERNANDO PESSOA - (RICARDO REIS)

POETAS

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!

FLORBELA ESPANCA

sexta-feira, 24 de abril de 2009

"Podamos a planta
do corpo,
da resistência.

Reformamos o quarto da empregada.
Em escritório, a dependência.
Em terraço, o corredor.
Em sala de estar.

Não superamos
os limites
mudamos
As fronteiras de lugar.

"Carpinejar".

quinta-feira, 16 de abril de 2009

VEM SENTAR-TE COMIGO

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.


Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro.
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois.
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

FERNANDO PESSOA.



quinta-feira, 9 de abril de 2009

BILHETE

ItálicoSe tu me amas, ama-me baixinho.
Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho... Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Mario Quintana

domingo, 5 de abril de 2009

5° MOTIVO DA ROSA

Antes do teu olhar, não era,
nem será depois, - primavera.
Pois vivemos do que perdura,
 
não do que fomos. Desse acaso
do que foi visto e amado: - o prazo
do Criador na criatura... 

Não sou eu, mas sim o perfume
que em ti me conserva e resume
o resto, que as horas consomem. 


Mas não chores, que no meu dia,
há mais sonho e sabedoria
que nos vagos séculos do homem. 


Cecília Meireles