terça-feira, 4 de março de 2014

POSTAL

Por cima de que jardim
duas pombinhas estão,
dizendo uma para outra:
"Amar, sim; querer-te, não"?

Por cima de que navios
duas gaivotas irão
gritando a ventos opostos:
"Sofrer, sim; queixar-me, não"?

em que lugar, em que mármores,
que aves tranquilas virão
dizer à noite vazia:
"Morrer, sim; esquecer, não"?

E aquela rosa de cinza
que foi nosso coração,
como estará longe, e livre
de toda e qualquer canção!

Cecília Meireles. In: Retrato natural.
1
ETERNIDADE INÚTIL

Até morrer estarei enamorada
de coisas impossíveis:

tudo que invento, apenas,
e dura menos que eu,
que chega e passa.

Não chorarei minha triste brevidade:
unicamente a alheia,
a esperança plantada em tristes dunas,
em vento, em nuvens, n’água.

A pronta decadência,
a fuga súbita
de cada coisa amada.

O amor sozinho vagava.
Sem mais nada além de mim...
numa eternidade inútil.

Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)